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5 atividades para falar sobre notícias falsas em sala de aula

Professores de todo o Brasil compartilham como trabalham o letramento midiático com suas turmas neste guia de boas práticas

POR:
Paula Peres
Crédito: Getty Images

“Eu tenho um jeito fácil de saber se uma notícia é falsa: pergunto para mainha. Se mainha compartilhou no zap e acredita na notícia, eu sei que é falsa”, brincou um estudante da Escola de Referência em Ensino Médio Alberto Torres, em Pernambuco.

Notícias falsas e correntes de WhatsApp estão na boca dos alunos, não tem como fugir. Em vez disso, é possível torná-las uma oportunidade de aprendizagem, para que seus alunos entrem em contato com o chamado

Letramento Midiático.

O professor Ivan Paganotti leciona uma disciplina que trabalha o letramento midiático e todas as discussões que o envolvem no Colégio Stockler, em São Paulo, há 12 anos. “A ideia é preparar os alunos para ler criticamente as informações, opiniões, narrativas que eles recebem por meio das mais diversas comunicações”, explica.

Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o tema também é valorizado quando o texto aborda a relevância da cultura digital para a sociedade contemporânea, e como isso deve estar presente em sala de aula (leia mais no quadro abaixo)

O QUE A BNCC DIZ SOBRE O TEMA

“A viralização de conteúdos/publicações fomenta fenômenos como o da pós-verdade, em que as opiniões importam mais do que os fatos em si. Nesse contexto, torna-se menos importante checar/verificar se algo aconteceu do que simplesmente acreditar que aconteceu (já que isso vai ao encontro da própria opinião ou perspectiva). [...]

Eis, então, a demanda que se coloca para a escola: contemplar de forma crítica essas novas práticas de linguagem e produções, não só na perspectiva de atender às muitas demandas sociais que convergem para um uso qualificado e ético das TDIC – necessário para o mundo do trabalho, para estudar, para a vida cotidiana etc. –, mas de também fomentar o debate e outras demandas sociais que cercam essas práticas e usos. É preciso saber reconhecer os discursos de ódio, refletir sobre os limites entre liberdade de expressão e ataque a direitos, aprender a debater ideias, considerando posições e argumentos contrários.

[...]

Essa consideração dos novos e multiletramentos; e das práticas da cultura digital no currículo não contribui somente para que uma participação mais efetiva e crítica nas práticas contemporâneas de linguagem por parte dos estudantes possa ter lugar, mas permite também que se possa ter em mente mais do que um “usuário da língua/das linguagens”, na direção do que alguns autores vão denominar de designer: alguém que toma algo que já existe (inclusive textos escritos), mescla, remixa, transforma, redistribui, produzindo novos sentidos, processo que alguns autores associam à criatividade. Parte do sentido de criatividade em circulação nos dias atuais (“economias criativas”, “cidades criativas” etc.) tem algum tipo de relação com esses fenômenos de reciclagem, mistura, apropriação e redistribuição. Dessa forma, a BNCC procura contemplar a cultura digital, diferentes linguagens e diferentes letramentos, desde aqueles basicamente lineares, com baixo nível de hipertextualidade, até aqueles que envolvem a hipermídia.”

FONTE: Base Nacional Comum Curricular, págs. 66-70 

Nem toda escola tem a estrutura de uma disciplina específica voltada à analise e produção de mídia em sua grade curricular. Como abordar o tema das notícias falsas e da análise de mídia, encaixando-o no currículo de Linguagens? NOVA ESCOLA, em parceria com o Palavra Aberta e apoio do Google fez essa pergunta a professores de todo o Brasil, e recebeu como resposta uma série de possibilidades de atuação.

Reunimos os cinco principais aspectos cobertos pelos professores nas dicas a seguir e apresentamos também duas sequências didáticas do portal de notícias para jovens JOCA que mostram como começar esse debate (veja no final da página).

1. Promova um debate sobre notícias falsas

A professora Sônia Maria Alves Domingues, da E.M. Paulo Freire, em Curitiba, se preocupou quando viu uma notícia, baseada em uma pesquisa da Universidade de Stanford, que afirmava que a maioria dos estudantes não sabia identificar uma notícia falsa, e decidiu levar o tema para a sala de aula.

Depois de uma conversa inicial sobre o que a turma sabia sobre fake news (o termo em inglês do qual advém notícias falsas), a professora pediu para que eles imaginassem um comunicado: “Durante uma semana não haverá aula na Escola Paulo Freire”, e perguntou: Isso é verdade ou mentira?

“Claro que é fake”, disseram os alunos, e apontaram que o comunicado não tinha data e não era assinado pela direção da escola. “Três meses depois, eu já vejo um avanço na discussão, porque eles sempre trazem notícias que receberam no celular e debatemos se é verdade ou não. Eles já falam que não é verdade porque verificaram em outros sites, por exemplo”, conta Sônia. A professora procura não dar respostas prontas quando é questionada pelos alunos, mas levantar provocações e questionamentos.

Na cidade de Encantado (RS), a professora Margarete Lourdes Fachi, de Linguagens, se preocupou com a falta de senso crítico de seus alunos do 6º ao 9º anos do Instituto Estadual de Educação Monsenhor Scalabrini, que acreditavam em tudo o que viam nas redes sociais.

“Peguei algumas notícias da internet e perguntei aos alunos se eles achavam que aquelas informações eram confiáveis ou não”, lembra Margarete. Houve uma turma, mais escolada no uso da rede, que logo percebeu que havia coisa errada ali. Outros, acreditaram em todos os textos.

“Como podemos verificar se essa notícia é verídica? Por que vocês acham que ela é falsa?”, provocou a professora. Logo formou-se um debate. “Foi interessante ver os argumentos que eles usavam, cada um defendendo um ponto de vista”, lembra.

Um grupo apontava detalhes que o outro não estava observando, como a fonte da notícia, a data, e em seguida o grupo conversou sobre a necessidade de checar os conteúdos que recebem nas redes sociais.

“Mostrei o cuidado que eles devem ter ao ler uma notícia: buscar mais de uma fonte, não confiar somente nas redes sociais, buscar a mesma informação em outros lugares, como sites de jornais, que têm trabalhos jornalísticos mais tradicionais”, conta Margarete.

 

2. Coloque os alunos para pesquisar com a comunidade

Pode ser uma pesquisa com a população do entorno, um quizz ou uma enquete online. O que vale é fazer as crianças entenderem como a comunidade consome esses conteúdos que são compartilhados. Isso ajuda os estudantes a perceber que o tema estudado em sala de aula faz parte de uma conjuntura maior, que afeta a sociedade.

Em Recife (PE), a professora Maria José de Oliveira Fagundes, da Escola Municipal Divino Espírito Santo, conversou com suas turmas de 9º ano sobre o tema e colocou-os para recolher impressões da comunidade.

A escola fica localizada atrás de um movimentado terminal de ônibus. Os passantes tiveram que responder perguntas como “Você sabe o que são notícias falsas?”, “Você compartilha as notícias que recebe nas redes sociais?” e “Você checa se uma notícia é verdade quando recebe pelo WhatsApp?”.

No dia da visita de nossa reportagem, Maria José e a turma tinham os resultados coletados, mas faltava tabular com a ajuda do professor de Matemática, que vai ensinar aos alunos como transformar aqueles questionários em gráficos e tabelas. Analisando as respostas, já dava para perceber que muitos respondentes não sabiam o que eram notícias falsas, diziam que recebiam, sim, notícias pelo WhatsApp, mas não verificavam sua veracidade.

 

3. Ensine os alunos a checar dados e citações

Na EREM Alberto Torres, em Recife (PE), o professor Eduardo de Santana Romão de Andrade notou que seus alunos do 3º ano usavam dados estatísticos e citações em suas redações sem critério: apenas achando que isso deixaria o texto mais bonito. “Eles viam informações na internet, do tipo ‘Pabllo Vittar é vice de Lula’ e colocavam isso na redação. Quando eu questionava, eles diziam ‘Não professor, mas eu peguei da internet’”, conta.

Para resolver, Eduardo colocou os alunos para checar. De posse dos celulares, a turma começou a pesquisar as informações que já haviam escrito nas redações, checando os pontos apontados pelo professor. “A gente tinha uma lista de itens que eles deveriam marcar quando pegassem um texto para ler: tem data? A pessoa que escreveu assina? A pessoa tem outros textos publicados? O site em que ela publicou é confiável? Até filtrar o que era sensato e o que não era”.

As citações de autores famosos também foram tema de desconfiança. “Pedi para eles pesquisarem citações de Clarice Lispector na internet. Depois, fomos verificar: eles jogaram as aspas no Google e encontraram a mesma citação sendo creditada a outros escritores, como Caio Fernando de Abreu e Gregório de Matos. Eu disse: se tem o mesmo texto sendo creditado a três pessoas diferentes, alguma coisa está errada. Como vamos fazer para saber em quem confiar?” Navegando pelos resultados de busca, a turma foi aplicando a lista de checagem que eles já tinham para selecionar os sites que consideravam mais seguros.

Nesse processo, a turma também conversou sobre sites com conteúdos abertos e editáveis, como a Wikipedia, e a diferença de formatos de arquivos. “Eles viram que um arquivo PDF, por exemplo, é mais difícil de ser alterado do que um artigo da Wikipedia”, lembra Eduardo, que garante que os textos da turma já melhoraram. “Agora não tem mais citação fora de contexto só para embelezar o texto, ou dados tirados de qualquer lugar”, comemora.

 

4. Experimente a produção de mídia

Educação midiática também é produção midiática. “Qualquer aluno que tem uma conta em alguma rede social é um produtor de conteúdo, e algumas vezes, ele não percebe a responsabilidade que tem sobre esses conteúdos e como pode fazer essa produção de maneira responsável”, explica Ivan Paganotti. A ideia é que, ao produzir conteúdos de mídia, em qualquer idade, os alunos se tornem consumidores mais conscientes.

A rede municipal de Curitiba tem um jornal eletrônico em que os conteúdos são todos atualizados pelos alunos. “Os professores entram no sistema para corrigir ortografia e ver se há algum equívoco conceitual, mas são os próprios alunos que entram no publicador do site e postam seus textos”, conta Sandra Mara Castro dos Santos, da Coordenadoria de Tecnologias Digitais e Inovação da Secretaria Municipal de Educação de Curitiba.

Cada escola tem a sua página dentro do jornal virtual, que pode ser alimentada com corbertura de eventos e textos produzidos pelos alunos sobre o que aprenderam. Alguns textos, produzidos por crianças de 9 e 10 anos, são justamente sobre o que são notícias falsas.

A professora da rede curitibana Micheli Bárbara Soares Panzarini, leciona para o 4º ano da Escola Municipal Sady Sousa, e combinou com um pequeno grupo de seus alunos que eles espalhariam uma “pequena fake news” para os colegas: a de que o recreio teria mais tempo. Cada criança tinha a “missão” de contar a outras duas essa notícia.

“A ideia era ver qual seria o comportamento de quem recebesse a informação: eles contariam para outros? Eles checariam a informação com algum adulto?”, conta a professora.

Algumas crianças desconfiaram, a maioria espalhou para outras e tomou como verdade que o recreio teria, agora, 40 minutos e continuaram brincando no pátio como se não precisassem voltar para a sala de aula. Ninguém consultou um adulto sobre a veracidade da informação.

Micheli coletou o depoimento de alguns alunos em áudio, e seu projeto é iniciar a produção de podcasts com a turma sobre a experiência. Outros professores da rede também têm liberdade de produzir diferentes conteúdos midiáticos, de acordo com o perfil de seus alunos: eles podem alimentar o jornal virtual da rede, ou produzir os seus próprios.

5. Mostre como imagens podem ser manipuladas

O professor Geraldo Seara, na Bahia, participa do programa de difusão e compartilhamento de mídias da rede pública estadual. Além de produzir conteúdos para diferentes mídias, ele também oferece formação de professores e estudantes para apropriações tecnológicas.

Um velho exercício de cinema e interpretação chamado "efeito Kuleshov" é reproduzido com os aprendizes: alguém é orientado a fazer "cara de paisagem", enquanto é filmado. Na hora da edição, o rosto do ator é intercalado com imagens que causam sensações diferentes no espectador. "Através da associação de imagens, uma ideia associada a outra produz uma terceira: os objetos interferem na maneira como lemos o rosto do ator", explica o professor.

Segundo Geraldo, não raro os alunos se surpreendem quando o vídeo é finalizado. Neste momento, ele mostra como é fácil manipular as produções. "Na ilha de edição, os fatos correm risco de sofrer alterações, desde a ordem em que são postos na linha do tempo, passando pelo fundo escolhido, indo até a expressão facial que o âncora faz, quando da gravação das cabeças", diz.

Desse modo, os estudantes passam a observar, com mais critério, os fatos veiculados nas mídias televisivas e redes sociais. "Não raro, eles revelam que passaram a ver TV com outros olhos. Têm a impressão de que mentiras repetidas à exaustão passam a ser verdades para quem as recebe", conta Geraldo.

Sequências didáticas do Jornal Joca:
  1. Transformando o agora
  2. Eleição do representante de classe

 

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Este conteúdo é parte do projeto Palavra Aberta, em parceria com a NOVA ESCOLA, e apoio do GOOGLE, para incentivar a Educação Midiática e a liberdade de expressão.

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