Gestão democrática muda a realidade de escola em região violenta
Rodrigo Froés se uniu a professores para resgatar a identidade de uma escola de Manaus e melhorar seus índices
POR: Camila CecílioImagine uma escola com altos índices de evasão, violência, depredação e sob ameaça de fechar as turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) por todos os problemas anteriores. Há cinco anos essa era a realidade da EM Antônio Matias Fernandes, localizada em uma área violenta de Manaus (AM), onde há elevadas taxas de criminalidade. Esse cenário começou a mudar em 2015, quando o professor de História Rodrigo Froés, na época com apenas 27 anos, assumiu a direção e criou o projeto Escola de Qualidade, Responsabilidade de Todos, vencedor do Prêmio Educador Nota 10 de 2016.
Rodrigo conta que o projeto surgiu da necessidade de colocar a escola para funcionar e, mesmo sem experiência em gestão escolar, ele aceitou o desafio. O primeiro passo para transformar aquele cenário, comum em diversas escolas brasileiras, foi implantar uma gestão democrática. “Havia inúmeros percalços, então percebi que, antes de querer mudar qualquer coisa, era preciso que todos se unissem a fim de equacionar os problemas”, explica.
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Ganhar o respeito da equipe de professores e funcionários foi uma consequência. “A escola era muito mal vista pela comunidade, precisávamos nos unir no propósito de resgatar sua identidade”, conta. Com diálogo, debates e trocas com toda a equipe, o projeto foi se consolidando como uma ação coletiva. Rodrigo propôs aos professores que pensassem em atividades atrativas para fazer com que os alunos “quisessem estar na escola”. Incentivados a usar a criatividade, cada um teve liberdade para pensar e planejar aulas instigantes e que colocassem o estudante como protagonista de sua aprendizagem.
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Com o tempo, os resultados foram aparecendo: o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) da escola, que em 2013 era 3,5, saltou para 4,8 em 2015 e 5,4 em 2017. O rendimento dos alunos também aumentou de 75% em 2015 para 95% em 2017. Nesse mesmo período, a evasão foi zerada no Fundamental 2 e reduzida a 7% na EJA. Após o prêmio, a escola passou a ter 500 alunos, quase 200 a mais, atraídos pelos resultados.
Transformar uma escola em uma região com alta criminalidade exigiu de Rodrigo e sua equipe muita união para, inclusive, lidar com a triste realidade de alunos que perderam a vida por envolvimento com o tráfico de drogas. “O nosso objetivo sempre foi mostrar que a Educação era maior do que tudo isso”, reforça.
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Como posso desenvolver esse projeto na minha escola?
Para o educador, o projeto pode ser replicado em escolas de qualquer parte do país, uma vez que fala do "fazer pedagógico". “É desenvolver atividades atrativas para os alunos, fazer os professores planejarem, dar liberdade para que criem e ‘viajem’ na sua disciplina, dar apoio para que executem suas atividades”, afirma Rodrigo Froés.
A principal dica, segundo ele, é pensar de forma democrática. “Quando se é gestor, é preciso ouvir, planejar, fazer com que essas atividades sejam executadas. Não se pode confundir autoridade com autoritarismo. Ouvir e entender o outro e fazer com que isso cresça é o maior papel do gestor na atualidade”, completa.
No primeiro ano, Rodrigo se reunia mensalmente com a equipe para fazer o planejamento. No ano seguinte, o gestor montou um calendário anual de ações que seriam executadas, com os líderes de cada ação e quem apoiaria, dando intervalo bimestral para a execução de cada atividade.
Escola de Qualidade, Responsabilidade de Todos - por Rodrigo Froés
INDICAÇÃO: Educação Infantil, Fundamental 1 e 2, Ensino Médio, EJA
DISCIPLINAS: Todas
DURAÇÃO: de 1 a 2 anos
O que é o projeto?
O projeto Escola de Qualidade, Responsabilidade de Todos foi pensado como uma maneira de proporcionar uma Educação mais justa e igualitária para que os alunos tivessem um aprendizado de forma dinâmica e interativa, tornando o processo de Educação mais atrativo. “O objetivo maior como professor, aluno, gestor, era oferecer uma Educação que o aluno gostasse de aprender”, diz Rodrigo. “Precisamos lutar para mostrar ao aluno que ele precisa aprender, mas tem que ser uma luta harmônica e prazerosa”. O projeto foi uma forma de encantar o aluno e motivá-lo a ir à escola todos os dias. “O professor precisa ser um encantador e, quando o aluno vai para a escola, a gente consegue fazer com que a semente frutifique”. O diretor diz que o projeto se tornou sua filosofia de vida: lutar por uma Educação de qualidade que seja responsabilidade de todos, em que todos assumam seus papeis, suas responsabilidades, e se tornem protagonistas da Educação.
Do que vou precisar?
"Sobretudo, criatividade! Instrumentos musicais, materiais de Arte e materiais de apoio, como: isopor, cartolinas, canetinhas coloridas, massa de modelar, telas de pintura, argila, pincéis, tintas, tecidos, dentre outros. Muitas atividades ocorreram porque conseguimos oferecer aos mestres todos os materiais que eles precisavam", explica Rodrigo.
Quais os objetivos trabalhados?
Desenvolver atividades em cada disciplina que envolvam o aluno de forma atrativa, conforme preveem as 10 Competências Gerais da BNCC. No projeto, várias atividades fizeram com que o aluno tivesse mais vontade de estar e cuidar da escola:
- Horta suspensa
- Exposição de Matemática através de jogos
- Visita a espaços culturais
- Confecções de maquetes em aulas de História;
- Atividades de teatro, música, dança e escultura
- Reforço escolar
- Sexto tempo para os alunos que ficavam para fazer as atividades que não conseguiram fazer na aula
- Canto da Leitura com acesso a livros e gibis (a escola não tinha biblioteca e laboratório de informática)
- Feira das Nações para trabalhar a Língua Inglesa
- Confecção de um livro de Literatura de Cordel para auxiliar as atividades em Língua Portuguesa
- Jogos em Educação Física
- Gincanas
E os desafios? Como encará-los?
O maior desafio foi fazer com que os professores “comprassem a ideia”, que cada um desenvolvesse na sua disciplina atividades que envolvessem os alunos no cuidado com a escola e na realização de atividades culturais que trouxessem a família para dentro dos muros. “E eles compraram a ideia”, conta Rodrigo Fróes. “Cada um foi desenvolvendo atividades na sua área e a escola começou a ganhar vida, a emanar atividades pedagógicas das quais as famílias e a comunidade externa começaram a participar”. Olhando para trás, ele faz uma ressalva. “Acho que só pecamos pelo excesso porque desenvolvemos muitas atividades, tínhamos um calendário cheio de projetos e não descansamos. Sempre trabalhei gestão de forma democrática, parava para ouvir os funcionários e os professores. O tempo todo estávamos nos recriando para fazer o trabalho bem feito. Ouvia os pais, a comunidade toda, para construir juntos esse projeto, que nada mais é do que um trabalho feito a muitas mãos. Superamos todas as expectativas com o trabalho coletivo”.
E no final? O que meus alunos vão aprender?
Juntos somos mais fortes, essa é a maior lição. Quando há um empenho coletivo, os resultados aparecem, independentemente das dificuldades, da falta de infraestrutura, das limitações físicas. “Cada professor viu que pode fazer seu trabalho, quando tem liberdade para criar, para fazer o que pensa, sonha e planeja. Os alunos viram que é possível ter aulas criativas, dinâmicas, e aprender do mesmo jeito. A escola foi crescendo por causa disso, cada um foi entendendo e fazendo a sua parte”. Funcionários, merendeiros, todos trabalhando de forma harmônica visando um objetivo maior, que era a escola funcionar bem e com qualidade.
Rodrigo Froés é professor de História, especialista em Educação Especial, pós-graduado em Gestão Escolar, especialista em Metodologia de História e Geografia e MBA em Políticas Públicas. Atua há dez anos na Educação do Amazonas como professor de Ensino Fundamental e Médio, gestor escolar reconhecido nacionalmente com o Prêmio Educador Nota 10 em 2016, vencedor do Prêmio Ozires Silva de empreendedorismo na Educação em 2018, eleito um dos cinquenta melhores professores da América Latina pela Fundação Fidal em 2018. Ficou entre os dez melhores projetos do prêmio espírito público em 2019. Atualmente é assessor técnico na Secretaria Municipal de Educação de Manaus.
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