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O que a relação afetiva com lugares pode ensinar sobre Geografia

Professora levou alunos para descobrir a História e praticar arqueologia perto da escola

POR:
Camila Cecílio
Crédito: Valda Nogueira

Já parou para pensar em quais sentimentos os lugares que você frequenta despertam? Parece uma pergunta simples, mas foi a partir dela que a professora de Geografia Ana Paula Mello desenvolveu um trabalho para falar sobre Educação patrimonial com alunos do 6º e 7º ano da Escola Municipal Levi Carneiro, de Niterói (RJ). Ao ressignificar bens culturais e naturais da cidade, ela não só mostrou aos estudantes a importância de ocuparem espaços públicos como a relevância de se reconhecerem como indivíduos neles e, assim, preservá-los. O projeto O Meu Lugar: Educação e Memória de Niterói deu a Ana Paula o Prêmio Educadora Nota 10 em 2018

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A ideia surgiu depois que a professora percebeu que seus alunos, moradores do bairro Sapê, na periferia, não conheciam outros lugares do município, tampouco haviam ido a museus. Ana Paula também notou que, quando questionava o que eles gostavam de fazer na região, ouvia respostas desanimadas de que não havia nada interessante para descobrir nos arredores. A professora comenta que há apenas duas linhas de ônibus no Sapê e, devido à falta de recursos e até mesmo de um olhar cultural da comunidade, os alunos acabavam não frequentando outros espaços que são deles também.

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Depois da fase das percepções, ela passou a trabalhar o conceito de lugar por meio de uma abordagem interdisciplinar que ligava arqueologia, História e meio ambiente. As atividades de campo foram parar na Praia de Itaipu, lugar frequentemente visitado pela maioria dos alunos. Eles não conheciam a importância desse lugar e achavam que a praia era só um espaço de lazer, mas ao utilizarem a arqueologia eles descobriram que ali mesmo há um sítio arqueológico, bem como a existência de sambaquis. “Muitos iam beber água no Museu de Arqueologia de Itaipu e não sabiam que era um museu com uma riqueza histórica”, conta. 

O projeto deu tão certo que virou um grupo de pesquisa no qual os alunos são arqueólogos e protagonistas do próprio processo de aprendizagem. “Quando notamos que o aprendizado é significativo o mais fantástico é ouvir os alunos contando que hoje vão à praia e apresentam o lugar para seus familiares. Aquele lugar deixa de ser só um espaço de lazer e passa a ser um lugar de conhecimento”, reforça.  

Crédito: Valda Nogueira

Como posso desenvolver esse projeto na minha escola? 

Para replicar o projeto em outras localidades, Ana Paula recomenda que o professor esteja atento ao contexto de seus alunos e à comunidade a qual pertencem. “Realizei o projeto ao longo do ano, mas os outros professores podem adaptá-lo e realizar de acordo com seus interesses”, diz. Isso pode ser ao longo do bimestre ou até mesmo o transformando em um projeto maior, com a participação de outras disciplinas como Arte, História e Ciências. 

O Meu Lugar: Educação e Memória de Niterói - Por Ana Paula Mello 


Crédito: Valda Nogueira

Indicação: Fundamental 2, Ensino Médio 
Disciplinas: Geografia, Arte, História, Ciências
Duração: 1 ano

O que é o projeto?
“É um projeto de Educação patrimonial que realizo a partir dos conceitos de Geografia de lugares, espaço geográfico, paisagem, uma abordagem interdisciplinar, com arqueologia, meio ambiente e História, no caso sobre Niterói. A ideia principal é construir coletivamente um novo olhar sobre a cidade”, explica Ana Paula.

“O projeto surgiu a partir do momento em que eu percebi que eles não conheciam os arredores ou conheciam muito pouco. A dificuldade financeira somada à distância dos grandes centros da cidade acaba afastando e criando um abismo social. Por isso, o objetivo é mostrar que eles podem ocupar espaços da cidade, que são deles também, mas precisam ocupar se apropriando e, ao se apropriar, eles precisam perceber a importância desses espaços e sua própria importância como indivíduo ocupando esse espaço, no sentido da preservação e valorização da cidade. Pensei em fazer um projeto a partir de um lugar de vivência deles, que eles já gostassem, mas para aumentar esse carinho deles por esse lugar e, com isso, transformar o local em uma fonte de conhecimento. Aliei a afetividade, o entretenimento, o lazer e o conhecimento para preservar o lugar que eles ocupam.” 

Do que vou precisar? 
A princípio, mapas do município, fotografias antigas e atuais de pontos turísticos e atividades com desenhos. “Em um ano fui ligando o assunto a cada matéria, passei músicas, redações, trabalhos de sensibilização no pátio da escola para que tivessem um novo olhar sobre a escola mesmo, tudo sobre lugar. Perguntei ‘qual o sentimento que cada lugar tem para vocês?’. Mas o que foi primordial foram as atividades de campo, precisamos apurar o olhar sobre o ensino da Geografia, aprender além da sala de aula e dos muros da escola. Precisamos muito vivenciar a Geografia, porque não é decoreba”, diz a professora. 

Quais os objetivos de aprendizagem trabalhados?
O objetivo principal do projeto é desenvolver uma proposta de Educação patrimonial através da conscientização de cada indivíduo, no caso os alunos, como formador e perpetuador da memória e do patrimônio natural e cultural. A partir desse objetivo, aprimorados a compreensão do lugar, paisagens e espaço geográfico, estudar sobre a arqueologia e a importância dos sítios arqueológicos como bem cultural, debater sobre sustentabilidade, apresentar o projeto para a comunidade através da exposição do material produzido e o mais importante: possibilitar a ressignificação do lugar de vivência do aluno, no caso a Praia de Itaipu, por meio do aprimoramento do conhecimento sobre esse espaço

E os desafios? Como encará-los? 
Ana Paula lembra que o principal desafio foi a falta de transporte para as atividades de campo. “Para contornar a situação, fazíamos os trabalhos utilizando transporte público, muitos alunos não tinham o cartão de gratuidade e precisavam pagar a sua passagem. Os que não tinham dinheiro, eu, com a ajuda de outros colegas professores, ajudávamos com o valor da passagem. Também fizemos uma vaquinha virtual e conseguimos a quantia necessária para alugar uma van. Alguns professores da escola colaboraram participando do trabalho de campo, me ajudando a cuidar dos alunos fora da escola. 

Como os alunos precisavam arcar com o custo do transporte, fui percebendo aos poucos que a visão deles sobre a visita a alguns espaços, como museus, foi mudando. Antes alguns achavam desinteressante uma visita ao museu. Logo a turma foi percebendo a animação do grupo que participava das atividades e, aos poucos, contagiamos a escola”, conta. 

E no final? O que meus alunos vão aprender?
Os alunos passaram a sentir mais orgulho de sua cidade. A partir do conhecimento, eles passaram a valorizar os patrimônios culturais e naturais de Niterói.  Eles também mudaram sua postura com relação aos cuidados com a escola e o seu espaço de vivência. Perceberam que são responsáveis pela preservação e promoção do patrimônio da cidade.

Ana Paula Mello é professora de Geografia e apaixonada pelo ato de ensinar. Leciona na rede municipal de Niterói e estadual do Rio de Janeiro e com seu trabalho busca promover aprendizagens significativas por meio da sensibilização dos alunos ao abordar assuntos referentes à Geografia e aproximá-los de sua realidade. 

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