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Calendário 2023: baixe gratuitamente e confira dicas de planejamento

Feriados, datas comemorativas e efemérides podem render boas experiências de aprendizagem, desde que haja intencionalidade pedagógica e protagonismo dos alunos

POR:
Victor Santos
Imagem representando os 50 anos dos Acordos de Paz de Paris, que puseram fim à Guerra do Vietnã (1959-1975). Essa e outras datas comemorativas aparecem no calendário pedagógico de 2023 da NOVA ESCOLA. Ilustração: Bruna Martins/NOVA ESCOLA

Abordar datas comemorativas na escola, embora seja uma prática relevante, requer alguns pontos de atenção. A professora Nadia Camargo, que leciona para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental há mais de 15 anos e tem ampla atuação como formadora de docentes, entende essas datas como uma faca de dois gumes. “Por um lado, elas podem ser erroneamente utilizadas para se perpetuar crenças, dogmas e preconceitos, já que por muito tempo foram ‘romanceadas’ no contexto escolar”, comenta a educadora, que atualmente dá aulas para o 5º ano na EMEB Antônio Perseghetti, em Valinhos (SP). “Mas, por outro, existe também uma oportunidade de usá-las para desconstruir algumas ideias e, assim, buscar uma sociedade mais tolerante e respeitosa às diferenças.” 

Como explica Fernanda Barbosa Nunes, formadora de professores do time da NOVA ESCOLA, que reside em Sobral (CE) e tem experiência de 23 anos na Educação pública, é importante, então, que o trabalho com datas seja carregado de intencionalidade pedagógica. “Deve-se pensar [a partir do] do seguinte ponto de vista: ‘O que o meu aluno está aprendendo? O que está sendo construído de conhecimento enquanto estudamos essas efemérides que são tão importantes para o povo e também para a própria comunidade escolar?’.” 

Com isso, visando apoiar professores e gestores neste período letivo, a NOVA ESCOLA disponibiliza um calendário com feriados nacionais, datas comemorativas e efemérides de 2023 para baixar gratuitamente. Compilamos também algumas estratégias e sugestões para construir bons planejamentos considerando esses marcos temporais.

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Planejamento e intencionalidade para ir além

De acordo com Alessandra Novak, também formadora de professores da NOVA ESCOLA, com quase duas décadas de atuação em escolas públicas e privadas na área de Ciências da Natureza, um calendário como esse é uma “mão na roda” para os educadores se organizarem em termos de cronograma e vislumbrarem possibilidades de explorar aspectos dessas datas em sala. 

“A questão é mapear dias comemorativos que nos apoiem no sentido de trazer temas significativos e agregá-los ao nosso planejamento como subsídio para que os estudantes desenvolvam habilidades”, salienta a especialista, que tem estudos em planejamento reverso e avaliação. Segundo ela, não é “o tema pelo tema”, e sim uma prática que envolve escolher a efeméride, encontrar uma habilidade prevista na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) associada a esse tema e, com intencionalidade pedagógica, construir um percurso de aprendizagem relacionado à temática. “Para que, de fato, isso se torne uma experiência profunda para o estudante”, afirma. 

Para exemplificar, a formadora toma como referência o Dia Mundial da Saúde, 7 de abril. A data obteve ainda mais relevância desde 2020, momento em que assuntos como pandemia e vacinação ganharam os holofotes e se tornaram parte da vida de toda a população, reverberando inevitavelmente na escola. Alessandra parte de uma habilidade prioritária de Ciências para o 7º ano do Ensino Fundamental: 

(EF07CI10) Argumentar sobre a importância da vacinação para a saúde pública, com base em informações sobre a maneira como a vacina atua no organismo e o papel histórico da vacinação para a manutenção da saúde individual e coletiva e para a erradicação de doenças. 

“Analisando o calendário e sabendo que há essa comemoração, o professor pode então construir um planejamento desde o começo do ano ou um mês antes, a depender da sua sequência didática”, orienta. “Nesse caso, a intencionalidade reside aí: ele já tem clareza da habilidade na qual aquele tema está inserido e vai então elaborar o percurso que pode, por exemplo, culminar no dia 7 de abril.”

Nesse momento, enfatiza Alessandra, é essencial contemplar tanto aspectos técnicos quanto avançar em reflexões críticas a respeito do assunto. “Existe aí um conhecimento técnico: responder ‘Como funciona a vacina?’. No entanto, deve-se ir além: prever nesse percurso vivências que permitam discussões e questionamentos provocadores, como a importância desse mecanismo para a saúde pública, para o cuidado com o outro e como forma de prevenção.” 

A educadora prossegue destacando possibilidades mais amplas, como a de relacionar esse tema com a questão da saúde das comunidades tradicionais, como os povos indígenas – que, inclusive, foram duramente atingidos pela pandemia da Covid-19. “Quando trabalhamos nessa perspectiva, compreendemos a questão técnica [funcionamento da vacina] inserida em um contexto histórico, social e geográfico, e isso leva ao desenvolvimento da criticidade”, aponta. “Portanto, quando o aluno ouvir falar no Dia Mundial da Saúde, ele vai entender por que existe uma data para isso e compreender que cuidar da saúde individual e coletiva, além de discutir pontos como os relacionados ao respeito às culturas indígenas, é algo para ser realizado o ano inteiro.” 

Datas e reflexões críticas nos Anos Iniciais

Esse olhar mais crítico também pode ser trazido para a etapa inicial do Ensino Fundamental. O Dia dos Povos Indígenas, usualmente conhecido como Dia do Índio, em 19 de abril, é uma data que há tempos gera debates a respeito de estereótipos equivocados e de uma necessidade constante de desconstrução. “Ano passado, levei para a minha turma de 5º ano uma reportagem que discutia justamente isto: um representante de um povo indígena explicava porque não devemos ‘comemorar’ essa data, destacando pontos como o fato de essa temática ir muito além de usar um cocar”, lembra a professora Nadia. 

Fernanda ressalta que datas como 7 de fevereiro – Dia Nacional da Luta dos Povos Indígenas – podem ser caminhos mais interessantes na hora de planejar um trabalho com essa temática. “Esse é um tema atual, que foi muito debatido em 2022, e apresenta questões que às vezes não são trazidas para o universo das crianças menores, mas que podem, sim, ser desenvolvidas de forma muito produtiva.” 

A formadora exemplifica mostrando como uma data como essa pode apoiar os esforços de recomposição de aprendizagens na etapa da alfabetização. “Quando trazemos uma lenda para ser utilizada em sala, podemos explorar gramática, cultura, construção de textos e inúmeras atividades que contemplam organização de frases e letras iniciais, ações que valem desde o início da alfabetização. Mas há um campo vasto, como jogos e a escrita das regras e receitas, que são um gênero textual riquíssimo.” 

Em seguida, recomenda a professora, vale abrir para iniciativas mais reflexivas, que coloquem as crianças em contato com tópicos históricos. Essas atividades podem até mesmo se relacionar com outra data a ser ressignificada, 22 de abril, usualmente conhecida como Descobrimento do Brasil (no calendário pedagógico da NOVA ESCOLA, utilizamos Conquista do Brasil). “Dá para fazê-los pensar sobre o impacto da chegada dos portugueses ao Brasil e, historicamente falando, o que aconteceu depois, pensando sobre as consequências para os povos originários e a devastação ambiental que se desencadeou nos séculos seguintes”, sintetiza Fernanda. “Então, vale pensar na lógica do planejamento reverso: onde quero chegar? O que quero que meus alunos aprendam com essas datas de luta dos povos indígenas e descobrimento?” 

Apoio das metodologias ativas no trabalho com efemérides

Nas ações pedagógicas com dias especiais, as metodologias ativas podem ser peça-chave. Pois, se o protagonismo dos estudantes é sempre necessário na sala de aula, quando falamos em desconstruir ou mesmo ir além de alguns lugares-comuns relacionados a essas datas, a centralidade do aluno no processo de ensino e aprendizagem se torna ainda mais mandatória. 

Dentro desse entendimento, Fernanda traz mais um exemplo, dessa vez fazendo alusão ao 13 de maio, conhecido como o Dia da Abolição da Escravatura no país. Ela reforça que tudo vai partir da decisão, no planejamento, de qual habilidade será escolhida para desenvolver com a turma. Na linha do planejamento reverso, ela cita como possíveis reflexões a serem estimuladas nos estudantes: “Os milhões de libertos após a Lei Áurea foram para onde? Viver como e de quê?”. 

A partir disso, a proposta em sala pode começar com uma obra do pintor francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848). “Desde esse momento, é o aluno o protagonista, já que é ele quem vai dizer: o que essa pintura traz para nós? Parece que a cena retratada aconteceu hoje? Quando aconteceu? E podemos avançar nas discussões, ler a legenda da obra e seguir rumo a um entendimento mais amplo.” 

Em seguida, Fernanda propõe a rotação por estações, com três ou quatro paradas em um período de aula (50 a 60 minutos). Uma estação pode ter um vídeo crítico, que mostre, por exemplo, as rotas que essas pessoas percorriam ao serem deslocadas de suas terras. Outra pode trazer documentos antigos e fontes históricas da época, como os que estão disponíveis no site da Biblioteca Nacional. “Uma terceira pode propor uma discussão mais atual, com uma produção coletiva de algum gênero textual, como uma notícia ou um texto expositivo, que faça essa ponte entre passado e presente e o que esperamos para o futuro dentro da temática racial”, sugere. A sistematização final também deve partir dos estudantes, que podem expor em diferentes formatos como essa experiência em sala os impactou. 

Festa junina: como ir além?

Mesmo acontecimentos que são “figurinha carimbada” dentro do contexto escolar podem render momentos ricos de aprendizagem. “Muitos dos feriados são ligados ao catolicismo, e hoje há uma mudança em termos religiosos – alguns alunos sequer conhecem essas datas”, observa a professora Nadia. “Busco, então, trabalhar com pesquisa, mas sempre com cuidado, deixando claro que o olhar para a religião é relacionado com a parte histórica e cultural.” 

Nadia conta que, como trabalha com alunos do 5º ano, que já têm um grau maior de autonomia, da última vez ela dividiu as crianças em pequenos grupos, que pesquisaram nichos: relação das festividades juninas com a religião, relação com a questão agrícola, quais as outras culturas envolvidas – por exemplo, a história rural brasileira e a parte que se inspirou em festas europeias – e símbolos dessa festa, como chapéu e vestimenta. “Tento avançar também em um caminho para desconstruir essa imagem do que é ‘ser caipira’.” 

Tudo isso colabora para que a festa junina não seja um momento passivo, na qual a turma apenas se concentre na organização do evento. “Depois dessa pesquisa bibliográfica, gosto de promover discussões e estimular produções, como do gênero textual cartaz, que impulsionam habilidades de Língua Portuguesa e ajudam a chamar a atenção para diferentes temáticas da festa.” 

Folclore e projetos interdisciplinares

O mesmo vale para o folclore, que, como destaca a professora e formadora Fernanda, traz uma oportunidade muito rica de trabalhar as diferentes regiões do Brasil, em temas como culinária, costumes, crenças e pessoas. “A palavra-chave do folclore é diversidade. Vale analisar no planejamento: como eu posso explorar isso dentro dos componentes curriculares como História e Geografia?”, enfatiza a docente, reforçando que as regiões do país podem render propostas muito interessantes. 

“Uma ideia é construir um percurso que leve os alunos a refletir: por que o Sul tem churrasco e chimarrão e o Nordeste não? Como se deu a composição histórica das populações dessas diferentes áreas? Inclusive, temos mais um gancho aí para tratar de povos indígenas, que aparecem entre os originários de todas essas localidades.” 

A formadora Alessandra Novak também salienta a possibilidade de mesclar componentes curriculares nesse momento do planejamento e o papel da gestão escolar no apoio a projetos que abarcam múltiplas perspectivas. “Em reuniões pedagógicas coletivas, a gestão pode se basear nesse calendário e buscar estabelecer projetos comuns entre todos os componentes, visando desenvolver mais de uma habilidade de diferentes áreas”, aponta. No caso do Dia Mundial da Saúde e vacinas, por exemplo, podem ser incluídas questões como a Revolta da Vacina (História) e o desenvolvimento de materiais sobre vacinação (Língua Portuguesa). 

E, para reverberar na aprendizagem dos estudantes, não é preciso que seja algo grandioso ou numeroso. “Esses momentos coletivos auxiliam a definir lideranças, dividir tarefas e os ônus de cada projeto, com um entendimento comum de que a qualidade é muito mais importante do que a quantidade”, conclui Alessandra. “A escola precisa ter clareza do que vai dar conta de fazer e entender que não existe receita de bolo nesse trabalho com efemérides. É importante que os temas sejam devidamente adaptados à realidade local pela equipe e significativos para toda a comunidade escolar.” 

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